Zé Humberto
Seguia Com Uma Bolha no Pé
Lá vem a troça do Zé
Arrastando multidões
Dançando as ruas do morro
Despindo as emoções
Juntando em festa, um povo
De grandes atribulações.
Nem parece o menino:
Aquele pequeno Zé
Que arrastado seguia
Com uma bolha no pé
Numa estrada de pedra
Sem qualquer bem, só a fé.
Deixa lagoa de pedra
Aos quatro anos de idade
Na sua memória herdada
Lembra de tal verdade
Da travessia do rio
Rumo à outra cidade.
Numa canoa pequena
Abarrotada de gente
Desafiando o rio
Nadando contra a corrente
Para encontrar um irmão
Que tinha ido à frente.
E dentro de um baú
Trazia tudo que tinha.
Valmir, seu irmão menor
Nos braços de alguém ele vinha
E uma pipoca roxa
No pé de Zé aporrinha.
O seu pai deixa a esposa
Com seis filhos e se vai
Numa miséria infinita
E toda família ele trai
Abandona o seu lar
Deixa os filhos sem pai.
Rumo à cidade grande
Pra vencer o sofrimento
Assim decide Esmerinda
Sem muito mais argumento
E na casa de uma tia
Zé encontra outro momento.
Alavantu, anarriê
Segue o passeio
É o Arraiá do Zé
Dizendo para que veio
Preservando a tradição
Que o povo trouxe no seio.
Zé chegou a Bom Pastor
Em seu destino primeiro
Chegando foi ajudante
De um sensato carpinteiro
Que fabricava carroças
Para ganhar seu dinheiro.
Também fazia torresmo
Para a alimentação
Em uma época sombria
De cruel situação
Em que a sua família
Clamava pelo seu pão.
Ainda em Bom Pastor
Zé conheceu um feirante
Chamado de Ciço Preto
Uma figura marcante
Que lhe ensinou na vida
Uma lição importante.
E foi vendendo verduras
Nas feiras dessa cidade
Onde Humberto aprendeu
Na dura realidade
Que o importante ao homem
É sua dignidade.
Nessa época a sua mãe
Trabalhou de lavadeira
Pro dono da casa Régio
E numa ação bem certeira
Investiu num chão de terra
Para a sua vida inteira.
E outra tia de Zé
No bairro já residia
Morava no Barro Duro
E o morro já conhecia
E foi lá que Esmerinda
Comprou sua moradia.
E assim em Mãe Luiza
Zé Humberto vem parar
Rumo à terra prometida
Na vida recomeçar
Cheio de novos planos
Com um lugar pra morar.
Entretanto era o começo
De sua nobre jornada
Que através do trabalho
Ela foi edificada
E a sua trajetória
Passa-se a ser traçada.
Zé vendeu tapiocas
Pelas ruas da cidade
O din din, o picolé
Por fim de necessidade
E obter outras rendas
Na nova realidade.
Mas o din din de batata
Zé fala com gratidão
Pois, além de refrescar
Servia de refeição
Na sua lida diária
Por sua alimentação.
Olha o Samba na avenida
Cheio de alegoria
Levando para a cidade
Um instante de folia
É o povo da acadêmicos
Do morro da alegria.
Zé ficando adolescente
Procurou entrosamento
Frequentava a escola
Mas tinha no pensamento
De encontrar na igreja
Um melhor engajamento.
Foi na igreja e pegou
A fila da comunhão
O padre disse: “menino,
Vá fazer sua lição
Pois aqui só se comunga
Depois da preparação”.
Assim Zé Humberto fez
Começou a se envolver
Aprendeu o catecismo
E passou a perceber
Novas possibilidades
Da vida compreender.
Viu festas de padroeira
Que muito lhe inspirou
E foi no grupo de jovens
Que Zé Humberto atentou
Às batalhas sociais
Que muitas vezes lutou.
A frequência no CEMIC
Trouxe grande aprendizado
Tinha lazer e cultura
Que o deixava motivado
Do esporte à profissão
Também era ensinado.
O CEMIC era um órgão
Público e do social
Que atendia o “menor”
No campo profissional
Cheio de assistencialismo
Porém, foi fundamental.
Nas lutas comunitárias
Zé sempre participou
E na busca por justiça
Muito rápido se engajou
E disse de um episódio
Que quase morto ficou.
E foi do motel Caribe
Que partiu a invasão
O dono bota uma cerca
Sem ver a preservação
E Zé Humberto foi lá
Tomar a satisfação.
Chegou de câmara em punho
Fotografando o local
Botou a cerca abaixo
Todo cheio de moral
Ele apenas não sabia
Como seria o final.
Chega com os seguranças
Cheio de autoridade
O dono deste motel
Que a terra alheia invade
Aterroriza Humberto
Com bastante crueldade.
Primeiro quebra a câmera
Depois manda refazer
A cerca que pôs abaixo
Para ele aprender
Ameaça dar-lhe um fim
Que ninguém jamais o ver.
E a salvação de Zé
Foi que do nada surgiu
Um fiscal da prefeitura
Que no papo interferiu
Zé Humberto nas carreiras
Rapidinho escapuliu.
Ainda teve um BO
Mas tudo foi resolvido
Em outras causas o Zé
Sempre esteve envolvido
E hoje ele percebe
Que não foi tempo perdido.
E na linha de chegada
Tá o primeiro colocado
Da maratona do Zé
Sendo homenageado
É mais um aniversário
Do bairro comemorado.
Zé Humberto é vidraceiro
E também comerciante
Que garante o sustento
Como fator relevante
Para então se envolver
Noutra causa importante.
E alguns de seus projetos
São eventos pontuais
Como o Arraiá do Zé
E a troça nos carnavais
Tem a corrida rústica
E ainda outros mais.
Às vezes é candidato
Para ser vereador;
E na política do bairro
É grande articulador
Outras causas sociais
Sempre é apoiador.
Do passado traz a luta
Como sua inspiração
Por uma praia de todos,
Pela partilha do chão
Na conquista de acessos
Que indiquem a direção.
Zé construiu sua história
Casou com Ana Maria
Nasceu Caroline e Karol
As fontes de alegria
Que na linha do seu tempo
Forjam a noção de família.
O sonho de dias melhores
Para a comunidade;
A procura de justiça
Em toda sociedade
É o que motiva Humberto
Em sua simplicidade.
Com uma bolha no pé
Zé enfrentou um rio
Vendeu tapioca e picolé
Venceu mais um desafio
E agarrado na fé
Vem preenchendo o vazio.
Esse poema pertence
Ao “Conversas qu’Eu Verso”
Projeto que faz contar
Sobre um povo diverso
Que conta suas verdades,
Desvenda seu universo.
Wilson Palá