Uma Aventura de ficção inspirada em momentos vivenciados com adolescentes clientes de casas de passagens. |
Os olhos de ECA
A ORIGEM
Quem não conhece Eca
Não perca a esperança
Letra E é de Estatuto
Letra C é de Criança
Letra A de Adolescente
Facilita a lembrança.
Mil novecentos e noventa
Começa a sua idade.
Mesmo antes de nascer
Havia a necessidade
Que os direitos da criança
Virasse realidade.
ECA sentindo-se inútil
Decidiu aventurar.
Saiu da sua gaveta
Pra poder analisar
Uma história real
E dela vivenciar.
Ele materializou-se
Num corpo adolescente
Pra saber se as pessoas
Conseguiram realmente
Fazer fruir os direitos
E viver decentemente.
Pegou a sua mochila
E fez uma arrumação:
Colocou duas camisas,
Duas calças, um calção,
Um pacote de biscoitos
E saiu sem direção.
A história se inicia
Assim que ele acordou
Estava num banco deitado
Quando logo reparou
Que a mochila que levava
Alguém dela se apossou.
Sem saber o que fazer
Procurou se situar:
O que fazia ali?
Onde era esse lugar?
Como era o seu nome?
Como iria almoçar?
Na sua frente surgiu
O vigia do local
Mandando que ele saísse
Do banco do terminal
Pois se demorasse mais
Findava num hospital.
Rapidinho levantou
E saiu desnorteado
Não sabia aonde ir
Olhava pra todo lado
Quando viu a viatura
Ficou mais aliviado.
Chegou perto do soldado
Pra pedir informação
Ele disse: “Aí parado!”.
Mão pra trás, deite no chão!
Se você não é drogado
Com certeza é ladrão.
O PM o revistou
Deu-lhe um chute na canela,
Um puxão nos seus cabelos,
Um sopapo na titela
E o mandou seguir em frente
Sem dar uma piscadela.
Sem procurar entender
Saiu logo em disparada.
A manhã tinha findado
Não tinha comido nada.
E o coitado não portava
Uma pataca furada.
E quanto mais ele andava
A fome ia aumentando
Da sua dignidade
Já estava duvidando.
Ou pedia ou roubava
Pra matar quem está matando.
Arriscou pedir um pão
Numa grande padaria
O dono pulou e disse:
“Vá embora, porcaria!
Não se pode mais vender
Um biscoito hoje em dia”?
Ele desconfiado
A cabeça escondeu
As mãos, debaixo dos braços
Com muita força as prendeu
A barriga deu um ronco
Que uma lágrima desceu.
Foi nesse exato momento
Que tudo desmoronou
Os capítulos e artigos
Por terra se espalhou
A lei que estava escrita
De nada adiantou.
Seu primeiro pensamento
Foi roubar uma carteira.
Só não sabia como
Praticar essa asneira.
Nunca imaginou, que um dia,
Fizesse qualquer sujeira.
A fome doía o corpo,
O desejo, o pensamento.
Pedia a Deus do céu
Pra findar o sofrimento
Apenas queria ter
Nessa noite, o alimento.
Na sua cabeça passava
Toda aquela informação
Que a criança tem direito
À saúde, educação,
Ao lazer, ao respeito
E a alimentação.
Foi quando que de repente
Um senhor apareceu
Com uma bolsa na mão
Que ele logo percebeu.
Pediu-lhe informação
E um trocado lhe deu.
Feliz da vida ficou.
Nem deu tempo agradecer.
Correu para um mercadinho
Comprou pão e foi comer.
Quando mordeu um pedaço
Sentiu algo acontecer...
OS DONOS DA RUAS
Sentado num meio fio
Ele olhava para o chão
De repente: pés descalços
Aparecem em supetão.
Logo levantou a vista
Viu que era confusão.
Só ouviu dizer: “ei, boy”!
E sentiu uma puxada
No pão que tinha dado
Umazinha abocanhada;
Os outros disseram: “A grana”!
Ou então leva porrada.
O trocado que sobrou
Da compra daquele pão,
Não dava nem pra comprar
Um caroço de feijão.
Mesmo assim eles tomaram
E foram sem direção.
Eca parou um pouco
E tentou analisar
Por que aqueles meninos
Foram lá, lhe assaltar.
Se pedissem um pedaço
Com certeza ele ia dar.
13 anos mais ou menos
O maior aparentava
Era magro e cabeludo,
Um dos dedos lhe faltava,
Seu olhar se dilatava
Feito de quem se drogava.
Em uma mão segurava
Um saco cheio de cola
Na outra, de uma camisa
Ele fez uma sacola
Pra carregar seus pertences
E também pedir esmola.
O outro menino tinha
Um jeito descontraído
Falava sem se cansar
Parecia ser sabido.
Ele era bem mais novo
E muito mais resolvido.
Seu cabelo era preto
Com uma mecha amarelada
Tinha duas tatuagens:
Um dragão e uma espada.
Apenas faltava um rumo
Nessa sua caminhada.
Bem menor do que os dois
Assim era o terceiro
Com cabelos cacheados
E pinta de desordeiro,
Frio e calculista
Com um olhar traiçoeiro.
Eca, mal analisou
E logo sentiu vontade
De seguir esses meninos
Pra encontrar a verdade
E entender o porquê
De tanta perversidade.
Não muito longe dali
Perto de um barzinho
Eca viu os meninos
Dois juntos e um sozinho
Tramando alguma coisa
Pra cima de um velhinho.
O velho pagou a conta
E saiu embriagado
Um, segurou na mão,
O outro ficou de lado,
O terceiro despistava
Gritando todo adoidado.
Duma puxada só
O relógio foi embora,
Depois com categoria
A carteira se evapora
E o trio na carreira
O sucesso comemora.
Eca os observou
E atrás deles seguiu
E numa rua escura
Sem muito esforço, ele viu
A turma comprando droga
E num instante sumiu.
A fome lhe corroía...
E sem lugar pra dormir
Encostou-se a uma árvore
Pra pensar aonde ir.
Acabou adormecendo
Sem ter forças pra seguir.
Nesse sono tão profundo
Teve um sonho singular
Sonhou que em uma terra
Distante do além mar
Todos que lá moravam
No mínimo tinham um lar.
Quando a criança nascia
Em casa ou em hospital
O médico lhe atendia
Com tratamento igual
Fosse rico ou fosse pobre
Sempre era especial.
Todos nessa cidade
Tinham a alimentação
Depois iam pra escola
Não faziam confusão.
Para irem e pra voltar
Também tinha condução.
E ao voltar da escola
Era tudo brincadeira
Havia jogo de bola,
Brincava de baladeira,
Peteca, pião e pipa,
Plantava-se bananeira.
E muito se divertia
Enquanto estava sonhando
Sorria com alegria
Portanto foi despertando
Com o sol forte na cara
E a barriga roncando.
Um cachorro vira lata
A sua boca lambia,
Ele levantou do sono
Onde estava, não sabia.
Percebeu que uma senhora
Alguma coisa trazia.
Uma fatia de bolo,
Um copo de vitamina.
Fez Eca ajoelhar-se
Como quem encontra mina
Para agradecer o alívio
Nessa sua triste sina.
A senhora rindo, disse:
“Menino, vá se cuidar!
Tome esse telefone
Para quando precisar
Ele entra em contato
Com o conselho tutelar”.
E antes dele sair
Agradeceu novamente.
Embora sem ter destino,
Já estava mais contente
Por que nesse curto tempo
Foi tratado como gente.
A PERIFERIA
Ele guardou o número
E saiu perambulando
Percebeu que o seu dia
Só estava começando
E passou a observar
O local que estava andando.
Era um bairro muito simples
Na sua percepção.
Tinha crianças correndo
Algumas sem direção.
Mas um fato muito triste
Chamou-lhe a atenção:
Em cima duma mangueira
Percebeu um movimento
O trio que ele seguia
Fazia seu alimento:
Fumava e inalava
A droga pro seu sustento.
Essa mangueira, porém,
Ficava na vizinhança
De um bairro periférico
Com gente sem esperança
Onde a droga e o furto
Havia predominância.
E foi nesse dito bairro
Onde Eca percebeu
Que algo estava errado
Nas lições que concebeu.
Pois tamanha injustiça
Ele nunca conheceu.
Bem na entrada sentiu
Um cheiro de arrepiar
Alguma coisa mostrava
Algo de podre no ar
As fezes se misturavam
Com água de se lavar.
Havia casas sem teto,
Sem parede, sem banheiro,
Sem chão para se pisar
Sem quintal e sem terreiro,
Sem dono, sem esperança...
Onde o caos chegou primeiro.
Mesmo sofrendo na pele
O que sofre um adolescente
Eca, pois, refletiu:
−Como vive essa gente:
Sem as mínimas condições
De uma vida decente!
Como resolver, então,
O problema da criança?
Se a família enfrenta
Essa falta de esperança?
Se existe um estatuto
Para lhes dar segurança.
Eca estava vestido
Apenas com um calção
Olhando aquele povo
Naquela situação.
Foi quando a viatura
Pegou-lhe no arrastão.
Perguntaram-no aos gritos
O que ali, ele espiava?
Sem saber o que dizer
Mais e mais lhe machucava.
Perguntaram: “onde tu moras”?
Não sabia onde morava.
Decidiram, então, levá-lo
Pra um abrigo da cidade
“Ia ser lá, onde Eca
Aprenderia a verdade”.
Diziam amedrontando-o
Com muita perversidade.
Dentro da viatura
Ele ia espiando
Tudo que no tal bairro
Estava se acabando:
Escolas apedrejadas,
E postos quase parando.
Tudo que ele via
Doía-lhe o coração.
Pois eram direitos básicos
Pra qualquer população
Sem esportes, sem lazer,
Sem saúde, educação.
Como poderá viver
E ser criança normal,
Se numa dor que sentir
Não terá um hospital?
Se sentir fome, coitada,
Voltará a passar mal.
A CASA DE PASSAGEM
Eca chegou, enfim,
Em uma casa decente.
Vendo de fora, gostou.
Mas esperou paciente.
Pois quando entrou, percebeu,
O quanto era inocente.
A sua recepção,
Que pra casa era rotina,
Para Eca foi o cúmulo
Dessa sua triste sina.
Sentiu-se desamparado
Da providência divina.
Aos gritos e pinotes
Ele, assim, foi recebido.
E por dois guardas armados
Pra dentro foi conduzido,
A fim de ser revistado
Para ser interagido.
Ele tirou toda roupa
Pra ser feita a inspeção.
Agachou-se, abriu a boca,
Apalparam com as mãos,
Suas partes, seus cabelos
Deixando-lhe sem ação.
Os guardas logo saíram
Eca então ficou só.
O medo lhe invadiu,
A garganta deu um nó,
Escorou-se num cantinho,
Estava de causar dó.
Ouvia todos gritando:
“Carne fresca no pedaço.”
Ele dizia: −Meu Deus,
E agora, o que eu faço?
Eu não conheço ninguém,
Com ninguém eu tenho laço.
Chegou, enfim, uma alma
Dizendo: “venha, menino”!
Acalmou-se um pouquinho,
Mas sentiu-se pequenino.
Apresentaram-lhe, a turma;
Entregaram-lhe, ao destino.
Tinha vinte e seis meninos.
Estava muito lotada.
Um lugar feito pra dez.
Mas ninguém dizia nada.
Isso foi só o começo,
O início da jornada.
Eca também olhou
Para as camas e colchões.
Camas: enxergou quatro
E em péssimas condições.
Os colchões havia dez
Nas mesmas situações.
O guarda-roupa da casa
Ficava no próprio chão.
Roupas espatifadas
De chamar à atenção
Junto às cinzas de fumo
Que empestava o vão.
Eca entrou e disse:
“Diga aí, rapaziada”!
Só deu tempo perceber
Quando a luz foi apagada
E sentir sua cabeça
Sendo esbofeteada.
“Se chamar o educador,
De novo, vai apanhar.
É bom deixar de frescura,
Pare logo de chorar!
Corra! Vá tomar banho.
Já é hora de jantar”.
O líder deixou bem claro
Quem mandava realmente.
Ou, ele obedecia
Ou teria novamente
Um tratamento VIP
Para aprender a ser gente.
Eca ficou sentido
Sem buscar questionar
Apenas foi tomar banho
Com medo de apanhar.
Mas, chegando ao banheiro
Não consegue respirar.
Atolado até a borda
Estava de excremento
Todo vaso sanitário;
Doía no pensamento.
Lavatório e parede
Causava até passamento.
Era um banheiro só
Pra toda turma usar.
Água, que era bom,
Não tinha nem pra cheirar.
Imagine a confusão
Na hora de defecar?
Eca, que sujo estava,
Sujo, iria ficar.
Na descida para a janta,
O líder vem avisar:
“Coma só a metade
A outra você me dar”.
Chegando ao refeitório
Ficou mais desanimado.
De baratas voadoras
O piso era empestado.
As cadeiras e as mesas
Não tinham nem o recado.
Quando lhe serviram a sopa
Com o prato quente na mão,
Deixou cair à metade
E ficou na e indecisão:
De dar ou não dar ao líder?
Pra evitar confusão.
Ele refletiu um pouco
Então, decidiu comer.
Depois que matasse a fome
Poderia resolver.
Quando alguém lhe perguntou:
“Bicho, tu sabe ler”?
Foi aí que ele encontrou
A sua moeda forte.
Pois sabia ler histórias
De vida e até de morte
E achou que nesse instante
Encontrara a sua sorte.
O outro continuou:
“A minha boy escreveu
Umas palavras aqui.
Será que ela gosta deu
Ou tá dando fora em mim
Pra ficar com Irineu”?
Terminado o jantar
Eca subiu correndo,
Leu a carta num só fôlego.
Que o rapaz ficou sabendo
Que a mina gosta dele.
Disse: “To te devendo” ...
De instante em instante
Chegava um com um motivo
Ou escrever uma carta
Ou ler um informativo.
Eca ganhou respeito
Por ser muito criativo.
E vendo aqueles jovens
Ficou muito indignado
Nem ler, eles sabiam
E quem era o culpado?
Esse direito na lei
Está bem apresentado.
E o tempo foi passando
Eca foi refletindo
Sobre todos os conflitos
Que ali, vinha surgindo.
E ele se perguntava
O que estavam construindo?
Já fazia mais de mês
Que estava ali retido
Ninguém procurou saber
O que tinha acontecido
Pra ele permanecer
Nesse lugar, esquecido.
Esse tempo que ficara
Nessa casa, resguardado,
De todos os movimentos
Ele tinha observado.
E começou a listar
Para ser analisado.
Da casa, observou
Que não era estruturada:
Quinze pessoas, no máximo,
Ela estava lotada;
Não tinha espaço físico
Para fazer quase nada.
Quanto aos educadores,
O sistema era plantão.
Eca não entendia
Porque tanta confusão.
Cada qual com a sua lei
E nenhuma direção.
Com outros funcionários
Já era mais diferente:
Muitos sem fazer nada,
Outros indiferentes
Gostavam de ordenar
Mas eram ineficientes.
Já um fato interessante
Era a alimentação.
Via-se entrar de tudo
Pra uma boa refeição:
Queijo, frutas, verduras
Batatas, ovos e pão.
Carnes, leite, biscoitos,
Chocolate e feijão;
Arroz, farinha de milho
Enfim, uma variação.
Mas no cardápio, coitado,
Só tinha repetição.
Eca também olhou
Como vive o cliente
Tem meninos e meninas
Em um mesmo ambiente
Todos com seus conflitos
De um jovem adolescente.
Ele já ouviu falar
De abuso sexual
De menino com menino
Como se fosse normal
Também de espancamentos
Da força policial.
Eca analisava
Parte da evolução,
Das batalhas e conquistas
De toda população
Pra garantir os direitos
Será que foi tudo em vão?
A AVENTURA
Já se sentindo cansado
De tanto jogar xadrez,
Dama e dominó
Decidiu de uma vez
Que agora ele faria
O que ele nunca fez.
Já estava entardecendo
T.B. da Silva chegou
Disse: “Vamos lá, Eca”,
A moleza terminou.
É hora de curtir a vida
Que o pior já passou.
T.B. da Silva estava
Fazendo aniversário.
Para ser desabrigado
Só esperava o horário.
Queria comemorar
Procurando outro cenário.
Dez internos evadiram-se
Pra irem comemorar.
Três mulheres, sete homens
Procuravam um lugar.
Mas antes T.B. da Silva
Foi roubar um celular.
Em pouco tempo, voltou
Já com dinheiro na mão.
Comprou cachaça e fumo,
Crack e camarão.
E saíram para a praia
Com muita animação.
Uma das três meninas
Por Eca se engraçou.
E ele tendo desejos
Um romance iniciou.
Quando chegaram à praia
Muita loucura rolou.
Linda era o seu nome
Que todos a conhecia.
Já tinha dezesseis anos
Gostava de poesia.
O que ela sofreu na vida
Não queira sofrer um dia.
Com doze anos foi mãe
De um estupro sofrido,
Vítima do seu padrasto
Que logo foi protegido
Por sua mãe, que ficou
Do lado de um bandido.
Sem ter para onde ir
Não achou outra opção
Pegou seu filho e o levou
Pra uma instituição
E entregou sua vida
Para prostituição.
A droga lhe encontrou
E lhe deixou iludida.
Pelas bocadas e becos
Era agora a sua vida.
Mas alguém, um dia, disse
Que havia uma saída.
Naquela tarde, porém,
Mais de mês tinha passado
Que ela não se drogava.
Havia se equilibrado.
Só que a tentação foi tanta
Que o seu trato foi quebrado.
Eca bebeu cachaça;
Até comeu camarão.
Deu “uns tapas” na maconha
E transou sem prevenção.
Os outros seis, com as duas,
Eu não devo dizer, não.
Já era de madrugada
Acabou-se a bebida.
As meninas reclamavam
Pela falta de comida.
Procuraram de repente
Encontrar uma saída.
Mandaram que as meninas
Fossem rodar a bolsinha.
Só voltassem com comida
E também uma graninha
Pra poderem comprar drogas
E estender a festinha.
T.B. DA SILVA
No outro dia, bem cedo,
Já na frente do abrigo
O grupo porém chamava
Tentando ser recebido.
Pois já era uma rotina
Receber quem tem fugido.
T.B. da Silva aprontou-se
Para ser desabrigado,
Despediu-se da galera
E saiu desnorteado.
Não tinha aonde ir
Seu tempo tinha acabado.
Sua mãe fumava muito
Na época da gestação;
Seu pai era traficante
Vivia sem direção.
Assim que entrou no mundo
Já veio sem opção.
Com três anos de idade
O seu pai foi condenado.
Seu destino, já sem forma
Ficou mais desordenado
E foi seguindo na vida
Como sendo empurrado.
Sua família não tinha
A mínima das condições
E, ele quando criança,
Queria ter diversões
Como as outras crianças
Sem sofrer as restrições.
Sua única opção
Que tinha para brincar
Era um vídeo game
Quando ia visitar
A casa da sua tia
E a vontade matar.
Só havia um contratempo:
Era lá, uma bocada.
De todo tipo de gente
A casa era lotada;
A droga corria frouxa
E cresceu nesta jornada.
Encontrou os seus amigos
Nesse mesmo ambiente.
Já conhecia a rua
Embora inocentemente.
A partir dos nove anos
Tudo ficou diferente.
A SINA
Vieram os pequenos furtos
Pra começar a jornada
De uma vida perdida
Dita marginalizada.
Em seguida veio a droga
Deixando-a mais complicada.
Com apenas treze anos
A maconha conheceu
A partir desse momento
Noutro mundo se envolveu:
De roubos, drogas e ruas
Gradualmente se deu.
O cigarro, em seguida,
Veio junto com a cola
Nessa época o T.B.
Não ia mais pra escola,
A rua era o seu lar,
Vivia pedindo esmola.
Um dia, com um amigo
Saiu para assaltar
A casa de uma juíza
Pois queria se drogar.
No roubo, deu tudo certo
Mas não chegou a usar.
A polícia lhe prendeu
Já na rua, em flagrante.
Apanhou que nem jumento
Que na vida foi marcante.
Passou três dias detido
E voltou mais confiante.
E outros arrombamentos
Ele, enfim, realizou.
Pela polícia foi pego
Mas nada nunca mudou.
Até que um belo dia
Em um abrigo parou.
No abrigo, sem querer
Outra família encontrou.
Outro mundo para ele
Logo se apresentou
Com a tentação da rua
De nada adiantou.
Em cada ida e vinda
Fazia o rapaz pensar
Que essa nova família
Estava pra lhe ajudar.
Mas ele desafiava
Pois queria se drogar.
Os amigos do abrigo
Já na mesma condição
Fugiam diariamente
Em busca de diversão.
E ele, um dependente,
Não tinha outra opção.
E o tempo foi passando
Esse menino cresceu
Muita coisa importante
Ele, enfim, não aprendeu.
Mas tem muita experiência
Nas lições que a vida deu.
Ele fez dezoito anos
Com uma preocupação:
Em qual caminho adentrar?
Não via muita opção.
O abrigo não lhe deu
Para a vida a direção.
T.B. da Silva formou-se
Um bandido experiente.
Roubava e se drogava
Sempre e frequentemente.
Mas um dia, uma bala,
Trouxe a morte, de repente.
O ROMANCE
Eca fugiu mais vezes
Com linda pra namorar.
Ele tinha um romance
Difícil de acreditar
Iam sempre em lugares
Para a vida contemplar.
Viam o pôr-do-sol,
Sol nascer, lua chegar;
Escreviam poesias,
Gostavam de encenar.
Eca só não sabia
Que ela estava a traficar.
Estava tão envolvida
Com a sua relação
Que queria ter pertences,
Ter na vida, condição.
E poder reconstruir
Livrando-se da prisão.
O caminho que escolheu
Foi o que ela dominava
Vender craque e maconha.
Era o que acreditava:
Depois de ganhar uma grana
Essa vida abandonava.
Um detalhe importante
Ela não observou:
Quem entrou nesse universo
Nunca, que jamais voltou.
Ou é preso ou vegetal
Ou a morte lhe levou.
O seu caso foi igual
De nada foi diferente:
Estava vendendo drogas
Quando que de repente
Uma bala, o seu sonho,
Finalizou para sempre.
O RECADO
Eca ficou doente
Com a dura realidade
Precisava fazer algo
Por essa sociedade
E o seu primeiro passo
Foi confrontar a verdade.
Procurou aquele número
Do conselho tutelar.
Que a senhora falou:
“Quando precisar, ligar”.
Esse era o momento
Não deu mais pra aguentar.
O seu recado foi esse:
“Por favor, autoridades
Venham imediatamente
Ver de perto a verdade
Vocês estão destruindo
A nossa sociedade”.
Ele desmaterializou-se
Do corpo apoderado.
Por todos os tipos de líderes
O ECA foi consultado.
Pena que a maioria
Permanece engavetado.
Fim?
Wilson Palá